O Espelho - Parte 3

Usei a ponta da unha do meu indicador direito para verificar a rachadura no espelho. Ela era real, mas não era apenas uma rachadura. A consistência era de um rasgão em uma fina película sobre a face real do espelho. Enquanto eu tentava puxar aquela película, deixei de lado a atenção na garota. Concentrado-me no que eu estava fazendo, não me dei conta de duas coisas:

1 - A luz que refletia de dentro do espelho vinha da luz do abajur. Mas o abajur que estava atrás de mim, refletido aceso no espelho, estava na verdade desligado.

2 - A menina já estava de pé, caminhando em minha direção...

O Espelho - Parte 2

O reflexo da pequena menina de vestido rosáceo sentada com as costas encostadas à parede me deu um enorme susto. Não pude ver seu rosto porque estava encoberto pelos seus cabelos lisos e negros. Virei-me para vê-la atrás de mim, mas nada havia no lugar onde ela deveria estar. Voltei minha atenção para o espelho, e ela continuava imóvel. Um medo terrível começava a tomar conta de mim. Todos os infortúnios do meu dia-a-dia perdiam o sentido.

Comecei a ir mais para perto do espelho, olhando freneticamente para a imagem no espelho e para trás. Observei o espelho atentamente, fixando meus olhos exatamente no local onde veria a face da garota se ela levantasse sua cabeça para olhar na minha direção.

Como ela não se moveu em nenhum momento, comecei a observar todo o espelho para tentar encontrar mais alguma coisa diferente. Nesse mesmo instante questionei minha sanidade. Era real?

Vi um pequeno filete de luz refletida em uma pequena parte no centro do espelho. Coloquei minha face ainda mais perto do espelho para ver o que causava aquele reflexo. Só então percebi que era uma pequena rachadura que refletia a fraca luz do abajur...

O Espelho - Parte 1

Cansado de mais um dia de trabalho, tirei os sapatos como se fossem espinhos cravados em minha carne e os joguei sem me preocupar em seu destino. Algo quebrou quando caiu de cima da estante. Sequer olhei na direção do som. Segui direto pro chuveiro e deixei a água cair quente sobre minha cabeça, molhando a roupa. Minha cabeça rodava como se estivesse em um carrosel infernal, além de latejar com uma dor que beirava o insuportável.

Depois de sentirme um pouco mais aliviado com o banho, caí na cama como uma pedra, olhando para o teto. Me dei conta de que as luzes de toda a casa continuavam apagadas, e a iluminação vinha das luzes da rua e da lua que brilhava imponente. Fiquei ali imóvel por vários minutos. Mas o calor começou a me incomodar e levantei-me para ligar o ar-condicionado do quarto. Caí novamente na cama e mais uma vez me entreguei à quietude. Nenhum som, além do interimitente tremer e chiar do aparelho de ar condicionado.

A primeiro estalar me pareceu apenas o retrair da madeira que compunha o guarda-roupas devido à queda de temperatura causada pelo aparelho de ar condicionado. Mas a segunda foi um pouco diferente. Um estalar que teve um som tremido, como o de uma porta ao bater-se contra ela. Olhei na direção da porta, sem nenhum ânimo, mas ela continuava completamente fechada e nenhuma sombra pela fresta em sua parte mais baixa denunciava a presença de alguém.

Eu ainda continuava desanimado, como em todos os outros dias de minha pobre vida. Mas o terceiro estalar me fez sentar-me na cama e olhar ao redor. Logo levantei-me, enrolando a toalha em minha cintura. Não sabemos porque, mas costumamos manter o pudor mesmo quando estamos a sós. Vi algo no espelho pelo canto do olho, mas estava certo de que era apenas meu reflexo. Mas não era...

Força!

Retornando ao ponto de partida, às vezes continuamos a fazer o mesmo percurso. Não importa o quão doloroso foi atravessar o caminho. É algo instintivo fazer um novo caminho, à procura da melhora, mas é sábio, "inteligente", levar em conta outros fatores. O dinheiro é o mais importante deles neste momento. Por temer reduzir nossa capacidade financeira, nos destruímos como filhos; como pais e mães; como irmãos; como tios; como seres humanos. Nos reduzimos ao cúmulo de abrir mão de sorrir, para poder nos deleitarmos com um carro novo; uma casa nova; uma roupa nova. Isso é "inteligência".

O deleite de me tornar "burro" se torna realidade pela segunda vez. A liberdade das bobeiras financeiras me deixa novamente. Precisamos de dinheiro? Claro! Gostamos de dinheiro? Claro!!!

E se o dinheiro tiver que vir antes do sorrido de um filho? Não!!! Antes do sorrido do companheiro? Não!!! Antes do beijo matinal, sem nenhuma intenção ou malícia, seguido do: Amo tu, pai.? NÃÃÃÃÃOOOOO!!!!!!!!!!!

Força para quem teme deixar de lado algumas coisas que corroem seu ser e sua essência, mas que ainda assim o fazem! Força para as pessoas que saem de um péssimo emprego, em plena segunda-feira, chegam em casa correndo e abraçam os filhos como há muito não o faziam! Força para aqueles que abrem mão do mundo para ficar, pelo menos um pouco mais, com aqueles que amam.